Psicologia

A “MUDANÇA” NA MULHER DO SÉCULO XXI
Nathalie Durel. Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta Transpessoal e Junguiana, autora de “O feminino reencontrado, a mulher na jornada interior”-ed. Ariana.
Adaptação: Patrícia Trigo da Silva.
Muitos consideram o Século XX como o século da Mulher, pois as mulheres, recorrendo muitas a vezes a actos extremos e corajosos de grandes mudanças e “revoluções”, conseguiram efectuar as mudanças necessárias na sua revalorização como seres humanos dignos e repletos de qualidades. 
Ultimamente, as mulheres estão a fazer outro tipo de “revolução”, dentro delas, e é no íntimo do seu ser que elas efectuam grandes tomadas de consciência acompanhadas de profundas transformações, muitas vezes através de psicoterapias ou outros meios terapêuticos. Essa consciência, levam-nas a optar por mudanças concretas que melhoram tanto as suas vidas como a dos seus filhos e, consequentemente, a nossa sociedade, em geral.
Carl Gustavo Jung fez dos arquétipos um dos eixos principais da sua teoria analítica. Estes são considerados como imagens primordiais inscritas no inconsciente colectivo dos homens desde o início da humanidade. Reencontramo-los nos mitos primordiais, nas religiões, nas lendas que alimentam o património colectivo e que nos influenciam conscientemente e, sobretudo inconscientemente. 
Só para citar alguns exemplos: o arquétipo da mãe, do pai, da criança, do herói, do dragão, da bruxa, do divino, da morte e transformação...e da mudança. 
Numerosos mitos falam-nos da mudança e da transformação, mas, no que diz respeito ao feminino, o mito Grego de Perséfone é a base fundamental da transformação feminina. É chamado na psicologia dos arquétipos de Mito Fundador.
«Kore» (nome de menina de Perséfone que significa rapariga, moça) brincava acompanhada das ninfas enquanto sua mãe Demeter (Deusa da colheita e da agricultura) trabalhava por perto. De repente, o solo pôs-se a tremer, uma falha abriu-se e Hades (Deus dos infernos) emergiu das entranhas da terra apoderando-se de Kore. Levou-a à profundeza da terra e fez dela sua esposa deixando Demeter num tal estado de desespero que resolveu deixar de produzir enquanto não encontrasse a sua filha, conduzindo então a humanidade inteira para um grande perigo. Após numerosas suplicas, Zeus aceitou pedir a Hades que deixasse Kore retornar à superfície da terra para se reencontrar com a sua mãe e Hades aceitou. Demeter, passada a alegria do reencontro, perguntou à sua filha se Hades lhe tinha dado alguma coisa para comer durante a sua estadia no inferno. Esta respondeu com ingenuidade que havia compartilhado apenas três pequenos grãos de Romã. Demeter, então, compreendeu então que sua filha nunca mais seria a mesma menina já que a Romã simboliza o ciclo menstrual mas também o sémen. Por acordo e para evitar uma separação total e o sofrimento de Kore, Demeter aceitou a separação durante três quartos do ano (Outono, inverno e primavera). Kore transformou-se então em Perséfone, Deusa dos mortos e dos infernos que regressa para visitar a sua mãe no verão.
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Este mito fundamental marca a separação obrigatória na transformação da jovem em mulher. A relação fusional com a mãe deve cessar um dia. Este estado paradisíaco que gostaríamos que fosse eterno, um dia, tem que acabar. Hades representa aqui, não só o homem que desfaz esta relação, mas também e, sobretudo a mudança profunda que decorre desta separação. Esta passagem iniciática deve ser vista como uma morte e transformação, que é claramente simbolizada pelo mestre do inferno e da morte. Mas também porque através do encontro com o masculino, Perséfone torna-se por sua vez uma deusa independente de sua mãe.
Este mito explica o quanto é primordial que a mulher se questione sobre a sua relação com o feminino herdado de sua mãe e das mulheres da sua família. Tratar os assuntos não resolvidos do passado dessas mulheres que ainda podem estar a perturbá-la de um modo inconsciente, permitirá que ela seja capaz de se diferenciar e se tornar autónoma como Kore se torna Perséfone por sua vez rainha e deusa.
Os homens da família são também importantes, principalmente o pai, porque é através dele que a menina também se vai separar da mãe, o que lhe permitirá, na adolescência e na sua futura vida de mulher adulta, ir ao encontro do masculino. Podemos ler este mito de um ponto de vista do encontro da mulher com o seu Animus* transformador e da necessidade da vivência com o masculino externo (através do pai, avô, namorado, marido) para que a mulher consiga identificar o seu próprio masculino e reequilibrar-se em relação ao seu feminino. (gostaria de esclarecer que a mesma situação acontece com o homem que precisa ir de encontro ao feminino externo que lhe permitirá integrar sua Anima interna).
Finalmente, este mito fundamental indica-nos que precisamos descer, de vez em quando, ao encontro do mundo das nossas profundezas: o nosso inconsciente. Para enfrentar o “material” recalcado que aí se encontra e voltar à superfície uma vez a transformação efectuada.
A mudança é, por conseguinte, fundamental para que haja uma evolução existencial. A natureza não gosta de estagnação, tudo está em perpétuo movimento! Este famoso provérbio Budista expressa muito bem esta lei “a única coisa perpétua é a mudança”
Cada mudança comporta pelo menos quatro fases fundamentais:
1. Identificação da problemática e a análise das necessidades estratégicas
2. Escolha da melhor estratégia.
3. Preparação e desenvolvimento do plano de mudança.
4. Acompanhamento das transições organizacionais e individuais que foram desencadeadas pela mudança
O sucesso duma mudança existencial depende bastante do último ponto que fala das transições que devem ser vistas como um processo progressivo e que pode acontecer com uma certa lentidão. 
Efectua-se em três fases:
  1. Identificar e desfazer-se de um velho modo de ser ou de fazer.
  2. Passar por uma época confusa entre o antigo e o novo.
  3. Iniciar uma nova etapa com uma nova identidade ou um novo modo de fazer indo de encontro a um novo objectivo.
A Mudança é geralmente acompanhada de emoções como: o medo, a tristeza e a raiva porque sabemos que vamos ter que nos desfazer de alguma coisa. Podemos também chamar esta transição de luto. 
O processo do luto pode ser classificado em 5 etapas:
  1. Choque e negação.
  2. Cólera.
  3. Negociação.
  4. Depressão.
  5. Aceitação e renascimento
Estas cinco fases são obrigatórias em qualquer mudança. Naturalmente a intensidade e a duração de cada fase dependerão da pessoa e da situação.
Em certos casos, mudar e fazer o luto são tão dolorosos que precisamos de acompanhamento através de uma psicoterapia. Cada vez mais, as mulheres (e os homens) estão à procura de ajuda, e deixaram de lado os preconceitos da nossa sociedade que ainda pensa que «quem vai ao psicólogo é maluco!»
As mulheres vêm às consultas com todo o tipo de problemáticas. Os pedidos são recorrentes: reencontrar o equilíbrio existencial e emocional, a falta de auto-estima, permitir-se ser; o equilíbrio no relacionamento (dar-se demasiado, ou não o suficiente); encontrar os seus limites internos e externos; maus tratos; o não poder falhar. As queixas mais frequentes são: as depressões, as angustias, os ataques de pânico e o esgotamento. Em contrapartida, lamentavelmente há cada vez mais jovens mulheres com problemas de anorexia. Mas temos também de reconhecer que cada dia aparecem mais mulheres em busca de uma transformação consciente, o que nos mostra que a mulher está a amadurecer e a tornar-se “dona” de si própria.
Para concluir, talvez possamos reflectir sobre esta frase da autora Robin Norwood, psicoterapeuta e especialista em Co-dependência que escreve no seu livro "Mulheres que amam demais":
“Poucas mulheres estão convencidas interiormente que têm o direito de amar e de ser amadas simplesmente pelo facto de existirem”.
*Animus: terminologia Junguiana que indica a personificação psíquica da parte masculina na mulher
Referências :
  1. Dictionnaire de la Mythologie Grecques et Romaine – Ed.Larousse
  2. Métamorphoses de l´âme et ses symboles – C.G Jung – Livre de poche

A SAÚDE NO FEMININO.
Dra. Margarida Reis – Médica Radiologista
A mulher é, por excelência, um ser em transformação biológica. 
Todos os meses, o corpo feminino recria-se na preparação para a criação última – a vida de um bebé seu filho; mas também se renova, quando percebe que não é ainda o momento certo para essa criação. E neste vaivém cíclico, também a mulher-pessoa se recria e se renova, construindo e desconstruindo vivências e emoções, sangrando momentos de desprendimento e de luto.
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Imagem extraída de  “Transparent Body”
O corpo da mulher fala dela: do que sente, de como pensa, do que vive. As mudanças do corpo de uma mulher falam da particularidade com que cada uma vive a (inconstante) busca da serenidade fisiológica e vivencial. 
Na relação com o seu próprio corpo, a mulher procura não só estar sem doença, mas procura estar bem, procura compreender-se na sua fisiologia e nas variações que insistem em dar sinal quando a mais pequena coisa deixou de encaixar tão bem na vida.
Por isso a saúde da mulher não será tão só tratar as alterações que surgem, mas uma história de acompanhamento e orientação na compreensão de si própria, que se faz através da compreensão do que o seu corpo diz e no esclarecimento do que ele precisa para estar bem.
A mulher consegue relacionar-se com a sua saúde e quem trata dela de maneira cúmplice, de quem vai contar como se têm passado as coisas no último ano – “já não nos víamos há tanto tempo, não era? Nem imagina como a minha vida mudou!”. E, nessa relação, percebe-se porque o corpo também mudou a sua expressão, confirmando que a mulher sente estar no caminho certo, ou dando sinais de alarme de que há consciências que aguardam vir à superfície para mudar um bocadinho a vida.
E cada vez mais terá que ser assim a relação do médico/terapeuta com as mulheres: uma relação de compreensão e cumplicidade, onde se possa trabalhar a compreensão dos sinais do corpo, nestes tempos em que os desafios de evolução pessoal são cada vez mais fortes.
Por isso, acredito que a mulher deve ser bem acompanhada na sua fisiologia e orientada na melhor forma de lidar com os medos das doenças que tanto as atingem e nas dúvidas que dizem respeito ao que fazer para se manterem saudáveis. 
Falo da unidade médico/terapeuta, porque não faz mais sentido olhar para a mulher de maneira isolada e autista, quando a mesma mulher que sente, vive e pensa, é a mesma mulher cujo corpo varia a sua fisiologia ou cria doença. 
Cada vez mais, fará sentido actuar em conjunto, numa profunda compreensão pelos processos vivenciais que cada situação fisiológica traz e também na sincera análise do significado emocional e vivencial dos desequilíbrios e doenças que atingem as mulheres.  

O Ser Terapeuta
Nathalie Durel (Psicóloga Clínica-Psicoterapeuta Transpessoal e Junguiana)
Devido a um crescimento constante das diversas formas de terapias nos últimos anos (sejam elas de foro físico, psicológico, mental ou espiritual) julguei importante ajudar a esclarecer o que é “Ser Terapeuta”. Para isto, iniciarei com um texto retirado da obra “Os Terapeutas” de Fílon de Alexandria, filósofo judeo-helenista (25 a.C. a 50 d.C.), em que ele descreve uma comunidade de terapeutas peculiares, nos arredores de Alexandria, que cuidavam do Ser numa perspectiva de visão holística: corpo, alma e espírito, “não separando o que o próprio Deus uniu”.
«Não é inútil interessarmo-nos pelos Terapeutas de Alexandria, esses homens e essas mulheres do primeiro século da nossa era podem ajudar-nos a clarificar aquilo que “colocamos” por detrás da palavra “terapeuta”. 
O que é um terapeuta?
A palavra terapeuta em grego significa, primeiro, tratar, tomar conta. 
O Terapeuta não cura, trata. É a natureza que cura, é a Vida que cura. O papel do Terapeuta é criar, ou permitir melhores condições, de modo a que a cura possa acontecer. O Terapeuta não cura, mas cria o espaço, o meio, a atmosfera, as condições favoráveis para que a cura tenha lugar. O Médico, no sentido maior do termo, é a Natureza, e o Terapeuta está presente para colaborar com ela. 
O Terapeuta não cura, “toma conta”». (1) 
Este texto antigo, porém muito sábio obriga-nos, a meu ver, a reflectir sobre o nosso papel como terapeutas. Não só sobre os limites da nossa actuação terapêutica mas também sobre uma questão primordial: Quem sou eu para me julgar capaz de “tomar conta” do outro? (de um ponto de vista moral e humano e não unicamente porque consegui obter vários diplomas)
Esta pergunta leva-nos, então, a considerar “porque” e “como” chegamos a escolher esta profissão e/ou vocação. Muitas respostas podem surgir mas todas estão ligadas, de certa maneira, ao facto de que a um dado momento da nossa vida fomos confrontados com a dor (nossa e/ou dos outros) o que fez com que nos identificássemos com o arquétipo do terapeuta, de um modo consciente ou inconsciente.
Onde há ferida, tem de haver cura, e onde há cura, é porque houve ferida. 
Quando a psicologia analítica se refere à imagem primordial ou ao arquétipo do "Curador”, não se refere à existência de uma imagem concreta com presença no tempo e no espaço, mas a uma imagem interior que opera na psique humana. A expressão simbólica deste fenómeno psíquico são as figuras e as imagens dos grandes curadores, santos, profetas, sábios e xamãs, reproduzidos nas criações artísticas e nos mitos da Humanidade. 
Mas, cuidar dos outros sem que primeiro tratemos de nós, é perigoso. O facto de nos identificarmos com o arquétipo do curador pode fazer com que nos percamos nele. 
Posso dar uma imagem muito simples para explicar a dinâmica entre um terapeuta e o seu paciente. Quando o paciente nos consulta procurando ajuda, encontra-se “cheio” de sofrimentos, queixas, sintomas, ou seja, a sua história pessoal. Metaforicamente, é como se estivesse a carregar um contentor repleto de coisas de que se irá desfazer no nosso espaço terapêutico. Pela lógica, o terapeuta (para poder receber este conteúdo) precisa de ter o espaço adequado, ou seja, vazio, para o receber. Caso o terapeuta esteja inundado de problemas pessoais (conscientes mas principalmente inconscientes) não resolvidos, ele, tal como o paciente, está com um contentor cheio nos braços. Consequentemente, quando o paciente tenta depositar o seu conteúdo no espaço terapêutico, já não encontra lugar. A pior situação verifica-se quando o terapeuta “descarrega” (de um modo inconsciente) o seu fardo em cima do paciente, que sai da consulta ainda com todo o seu conteúdo, mas também com o do terapeuta. Esta carga pode ser energética, psicológica, mental ou espiritual. (2)
Considero que todo o terapeuta digno desse título, independentemente da sua área de actuação, deve pôr em prática o que eu chamo “higiene física, mental, emocional e espiritual”. Isto quer dizer que deve regularmente submeter-se a vários tipos de terapias, como por exemplo a psicoterapia, a limpeza energética, a dietética, praticar alguma disciplina de desporto, meditação, a terapia Sacro-Craniana, inclusive rever a sua visão espiritual (além de muitas outras coisas, cada um deve encontrar o que for mais adequado ao seu processo de crescimento interno) para converter-se num “canal” limpo de actuação terapêutica para tratar os seus pacientes. Aliás, podemos verificar que Os Terapeutas de Alexandria consideravam esta prática de terapia pessoal como fazendo parte do seu código ético. 
«Portanto, no tempo de Fílon o terapeuta é um tecelão, um cozinheiro; ele cuida do corpo, cuida também das imagens que habitam em sua alma, cuida dos deuses e do logos – palavras que os deuses dirigem à sua alma – é um psicólogo. O terapeuta cuida também da sua ética, isto é, vigia o seu desejo para se ajustar ao fim que fixou para si; este cuidado “ético” pode fazer dele um ser feliz, “são” e simples (não dois, não dividido em si mesmo), isto é, um sábio».(3)
O famoso mito do Centauro Quíron, o curador ferido, ensina-nos que, antes de se cuidar de outra pessoa, é preciso cuidar e tratar de nós mesmos. No final do mito, a cura de Quíron só acontece quando ele aceita ser levado para o mundo do Hades onde morrerá para poder ser transformado. Só depois da sua própria aceitação de que precisa de mudar (ou seja tratar-se), é que Zeus o imortaliza, numa iluminação eterna através de uma constelação. Simbolicamente, representa para o terapeuta a necessidade de aceitar a sua própria transformação para alcançar a individuação, e encontrar então o seu verdadeiro caminho como terapeuta. Ou não.
Bibliografia
(1) (3)Leloup J.Y: “Cuidar do Ser”, Ed.Vozes – BR
(2) Durel N.: “O feminino reencontrado”, Ed. Ariana - PT